"Passei a infância ouvindo a primeira geração da Música Sertaneja: Cornélio Pires, Capitão
Furtado, entre outros. Eles são o facão, a enxada e a foice que abriu a picada" (comentário
de
Lourival dos Santos
- excelente Compositor da nossa Música Caipira Raiz).
Sobrinho de Cornélio Pires, Ariowaldo Pires, o Capitão Furtado, também nasceu em Tietê-SP no
dia 31/08/1907 e faleceu em São Paulo-SP no dia 10/11/1979; aos seis anos mudou-se juntamente
com os pais para Botucatu-SP.
Tietê foi na verdade uma cidade do Interior Paulista que contribuiu bastante para a Boa Música
Brasileira de um modo geral pois, além de Ariowaldo Pires e seu tio Cornélio, também em 1907
nasceu na mesma cidade o compositor erudito Mozart Camargo Guarnieri (além de trilhar pelos
caminhos de composição de uma "Música Erudita Verdadeiramente Brasileira", como já tinha sido
feito por Heitor Villa-Lobos, Camargo Guarnieri também foi pai do ator e teatrólogo
Gianfrachesco Guarnieri). Tietê também nos deu o compositor Fernando Lobo, que ficou
conhecido pelo pseudônimo de Marcelo Tupinambá (1880 - 1953); Fernando Lobo também já havia
adotado os pseudônimos de Samuel de Maio e Pedro Gil, entre outros.
Enquanto Ariowaldo estudava, o tio
Cornélio
já residia na "Terra da Garôa" e já estava se tornando conhecido pelos livros que escrevia e
também pelas suas atividades como "militante caipira".
Ainda na adolescência, Ariowaldo captava o som das ruas em
Botucatu-SP,
onde os violeiros, tropeiros e seresteiros misturavam os sons rurais com os batuques e
congadas dos Escravos que haviam acabado de conquistar a Liberdade.
Ariowaldo também conviveu com a estréia da famosa toada "Tristezas do Jeca" de
Angelino de Oliveira,
já que seu pai era zelador do Clube 24 de Maio no centro de Botucatu. Foi lá que,
em 1918, quando o sobrinho de Cornélio Pires contava com seus 11 anos, o próprio Angelino de
Oliveira apresentou a toada ao público pela primeira vez, a qual recebeu calorosos aplausos
e foi "bisada" umas seis vezes!!
Em 1926, com 19 anos, um novo
rumo: a Paulicéia Desvairada! A Capital Paulista, onde Ariowaldo passou a morar, trouxe
novas oportunidades, algumas das quais inesperadas: pode ser citado, por exemplo, o curso
de inglês (pois Ariowaldo visava melhores cargos no departamento de vendas da empresa onde
trabalhava), que fez com que o
Tio Cornélio
(foto à esquerda) o convidasse para acompanhá-lo
à gravadora Colúmbia. Apenas três meses do curso de inglês serviram para a intermediação das
negociações com Wallace Downey, supervisor artístico da Colúmbia em São Paulo, onde foram
feitas as gravações dos primeiros discos de música caipira em 1929, como foi mencionado na
página dedicada ao
Cornélio Pires.
Downey ainda convidou Ariowaldo para secretariá-lo e, como cinema fazia parte dos projetos
da Colúmbia, em 1931 Ariowaldo foi assistente de produção do filme "Coisas Nossas" que contou
inclusive com a participação de
Jararaca e Ratinho,
a famosa dupla que vivia no Rio de Janeiro
(a dupla dos famosos shows que intercalavam música com bom humor - vale lembrar também que é
composição de Ratinho o famoso chorinho "Saxofone, Por Que Choras?").
Prá não dizer que "não tocava nenhum instrumento musical", Ariowaldo tinha apenas algumas
ligeiras noções, ou seja, "arranhava" o Violão. Mesmo assim, ele compôs um total superior a
1000 letras de músicas, segundo seu próprio depoimento, sendo que umas 350 foram gravadas.
Espera-se portanto que "inéditos de Ariowaldo Pires" ainda passam ser gravados e
lançados no mercado fonográfico, para que possamos conhecer melhor a riqueza musical por
ele deixada.
Também foi coordenador do primeiro programa de calouros de que se tem notícia (o qual era
apresentado na Rádio Cruzeiro do Sul em São Paulo-SP e também no Rio de Janeiro-RJ), programa
esse que, dentre outros, nos revelou o famosíssimo "Poeta do Bexiga" João Rubinato, o
Adoniran Barbosa.
Em 1934, Cornélio Pires já estava na Rádio São Paulo na Capital Paulista, com seus comentários
bem humorados sobre fatos do cotidiano. Ariowaldo também já tinha adotado o pseudônimo de
Capitão Prudêncio Pombo Furtado, ou simplesmente Capitão Furtado nome com o qual
passou a assinar suas composições.
Além de querer evitar as inevitáveis comparações com o
Tio Cornélio
que tinha o mesmo sobrenome, Ariowaldo dizia que não poderia jamais menosprezar sua gente,
escolhendo um "nome ridículo", por isso o nome "Capitão". Por outro lado, ele também
escolheu "Furtado", de propósito, pois havia sido lesado quando da mudança de uma
emissora de rádio para outra. Além disso, o próprio Capitão Furtado mencionou nos anos 70
que, quanto ao recebimento do pagamento dos Direitos Autorais, ele "não era furtado, mas
furtadíssimo...".
Capitão Furtado também foi parceiro de
Alvarenga e Ranchinho,
dupla na época famosa pelos seus shows que alternavam piadas com música, a exemplo de
Jararaca e Ratinho.
"Itália e Abissínia", "Horóscopo" e "Liga dos Bichos" são alguns exemplos de excelentes
composições da famosa parceria. Por sinal, o divertido e bem humorado diálogo que o Apreciador ouve ao acessar essa
página é entre o Capitão Furtado e
Os Milionários do Riso,
na introdução à gravação de "Liga dos Bichos".
E não foi só na Música Caipira que Ariowaldo deixou sua maravilhosa Herança Musical: em
parceria com Henrique Simonetti compôs a marcha "Brasília, Capital da Esperança" considerada
como o Hino da Capital Federal!
Em 1939, Capitão Furtado já estava na Rádio Difusora de São Paulo, com seu programa
"Arraial da Curva Torta" nas tardes de Domingo. Este programa permaneceu no ar durante 12
anos e nesse período revelou-nos diversos talentos, dentre os quais as irmãs
Rosalinda e Florisbela
(a famosíssima apresentadora Hebe Camargo e sua irmã Estela), além do
acordeonista "Italiano Naturalizado Caipira"
Mário Zan
e do sambista Blecaute. Vale lembrar que Blecaute (Black-Out) também foi um apelido
sugerido ao sambista pelo Capitão Furtado, "criticando" os racionamentos de energia
que eram comuns no Brasil durante a segunda guerra mundial.
E, na foto histórica abaixo,
Tonico e Tinoco,
Rosalinda e Florisbela
(Hebe e Estela Camargo), Capitão Furtado e Lulu Benencase (apresentador
do "Arraial da Curva Torta"). E, à frente, Os "Águias da Meia Noite":
Também não podemos deixar de destacar
os
Irmãos Péres
(foto à direita - 1944), recém chegados do Interior e que alcançaram no
"Arraial da Curva Torta" uma popularidade sem precedentes até então: tratava-se de um
concurso para a contratação de novos violeiros para o programa, quando a nova dupla,
disputando com mais 32 violeiros um emprego na emissora (para ocupar a vaga deixada pela dupla
Palmeira
e
Piraci
a qual havia pedido demissão e ido para outra emissora), interpretou a composição de
Raul Torres
e
Cornélio Pires
"Adeus, Campina da Serra". Após um caloroso aplauso de mais de 3 minutos (segundo fontes de
informações foram realmente cronometrados 190 segundos), os Irmãos Péres conseguiram o novo
emprego.
Após ganhar o concurso, Capitão Furtado levou os Irmãos Péres à Colúmbia, onde gravaram o
primeiro disco em 1944 com a música "Em Vez de Me Agradecê" de autoria de Capitão Furtado,
Jaime Martins e Aimoré.
Como já foi mencionado na página dedicada ao
Cornélio Pires,
foi também o Capitão Furtado que sugeriu aos
Irmãos Péres
um novo nome "mais Brasileiro e menos Espanhol" para a dupla que, desde os primeiros
discos já começava a fazer sucesso com esse novo nome:
Tonico e Tinoco
(foto acima à esquerda, com Capitão Furtado entre Tonico e Tinoco).
Clique aqui
e veja o "Batismo da Dupla Tonico e Tinoco", que é uma cena do filme "Lá No Meu Sertão",
na qual foi recriado o momento em que o Capitão Furtado sugeriu aos
Irmãos Perez
que "batizassem" a nova Dupla com o nome
Tonico e Tinoco!
Esse link pertence ao excelente Site
Adélio Carlini - Um Espaço para Reflexão,
criado e mantido pelo Pensador, Poeta e Compositor Adélio Carlini!
Ainda nos tempos do "Arraial da Curva Torta", Tonico e Tinoco já tinham ganho o codinome de
"A Dupla Coração do Brasil".
Ainda entre as primeiríssimas gravações da Dupla Tonico e Tinoco, merece destaque a Moda de
Viola "No Sertão do Laranjinha" que é uma adaptação do folclore feita por Capitão Furtado,
Tonico e Tinoco. Esta Moda de Viola foi gravada pela primeira vez em 1945 pela Dupla Coração
do Brasil juntamente com o Capitão Furtado. Uma gravação posterior feita por Tonico e Tinoco
em 1972 foi aproveitada para a trilha sonora do filme "O Menino Jornaleiro" em 1982.
Capitão Furtado também foi coordenador do gênero Música Sertaneja na "Enciclopédia Musical
Brasileira" de 1975 a 1977.
E, quando contava 72 anos, o Capitão Furtado, que foi um dos compositores mais gravados na
História da Música Brasileira, deixou este mundo após um ataque cardíaco fulminante em
10/11/1979. Pouco tempo antes, ele ainda havia recebido uma homenagem pelos seus 50 anos
de atividades e havia viajado para o Paraguai, contratado pelo Banco do Brasil para iniciar
uma pesquisa sobre a música daquele país que ele tão bem conhecia, pois além de guarânias
para as quais já havia composto versões em português ("Noches del Paraguay" de Pedro J. Carlés
e Samuel Aguayo, apenas para citar um exemplo), também já havia visitado o país na década de
40 em companhia de
Mário Zan.
Ariowaldo Pires, ou como ele mesmo se auto-denominou, Capitão Furtado foi realmente o grande
paladino entre os maiores incentivadores da Viola Caipira, e seguiu o caminho experimentado
por seu tio Cornélio Pires - o Rádio e o Disco, que eram novíssimos no final de década de
20 e início da década de 30 - enfrentendo os preconceitos culturais que sempre existiram, mas
que jamais fizeram sucumbir esse divulgador ferrenho do "caipirismo".
Recomendo aqui o CD "Ao Capitão Furtado - Marvada Viola", lançado em Vinil em 1986 e, para
nossa felicidade, remasterizado recentemente em CD pela
Atração Fonográfica,
fazendo parte da Série "Acervo FUNARTE - Música Brasileira" e com participação de Sivuca,
Rolando Boldrin,
Roberto Corrêa,
João Lyra, Adelmo Arcoverde,
Zé Mulato e Cassiano.
Apesar do "pequeno defeito" de conter alguns "pot-pourris" na seleção musical, é bastante
agradável a declamação do Poema "Fim do Mundo" de autoria do Capitão Furtado na voz "com o
tão característico sotaque" de
Rolando Boldrin.
Clique aqui
e ouça "Lição De Geografia" (Capitão Furtado - Alvarenga - Ranchinho) interpretada pelo Capitão Furtado, juntamente com
Alvarenga e Ranchinho
em gravação do Disco 78 RPM - 11394 - Lado A - Gravadora Odeon - Gravado em 23/04/1936 - do Acervo de José Ramos Tinhorão - num excelente Arquivo Musical
pertencente ao
IMS - Instituto Moreira Salles,
excelente site que se preocupa com a Preservação de Inestimáveis Acervos Brasileiros em termos de Música, Fotografia, Artes Plásticas e Biblioteca, o
qual convido o Apreciador a visitar!
Essa viagem pelo Interior Musical de Nossa Terra e Nossa Gente não pára por aqui:
Clique aqui
e "pegue o trem" que ele está de partida para Cordeirópolis-SP, a terra de outro
grande Pioneiro Caipira que foi
João Pacífico.